Friday, February 08, 2013

O DR. MENEZES

É médico pediatra, mas abandonou a carreira clínica, aliás promissora, em resposta a um chamamento da tentação política dez anos depois de, em 1977, se ter licenciado em medicina e cirurgia pela UP. Foi deputado, Secretário de Estado, presidente do PSD durante cerca de meio ano, presidente da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia desde 1997. Há, portanto, 35 anos, que não exerce pediatria.
Uma lei obnóxia impede o dr. Menezes de continuar a presidir à Câmara de Gaia, onde, aliás, conseguiu endividá-la até ao cocuruto*.  
 
Forçado a abandonar Gaia, seria esperável que o dr. Menezes voltasse a abrir consultório e a auscultar criancinhas, complementando a reforma antecipada da função política com os honorários clínicos? Não seria esperável. Antecipando-se a qualquer veleidade corregelionária, no Verão passado anunciou que seria candidato ao Porto, e, a partir dali juntar Gaia ao Porto, fundando de um e do outro lado do Douro um município que, pelo menos à partida, estaria apenas semi endividado, portanto com margem bastante para o dr. Menezes fazer obra e perdurar como vice-rei do norte até à reforma por idade adiantada. Se os planos não lhe sairem furados.

Rui Moreira é um provável candidato que parece bem suportado e, por outro lado, a legislação que restringe a renovação dos mandatos é, para não fugir à regra,  obtusa e presta-se a interpretações opostas. Se os juízes forem chamados a pronunciar-se, e negarem o direito ao dr. Menezes de se candidatar no Porto ou em Porto Santo, o senhor Passos Coelho terá de alargar o ministério para não o deixar enervadamente parado na flor da idade.

E os outros, que são muitos, autarcas do PSD que terminam este ano o prazo de validade nos municípios onde se empregavam, e logo numa altura em que a crise promete continuar a reduzir o PSD à sua expressão eleitoral mínima de sempre? Ouve-se dizer que a lei tem por objectivo renovar a turma autárquica e quebrar as eventuais relações promíscuas que os anos vão sedimentando entre os autarcas e os fornecedores, nomeadamente os empreiteiros de construção civil.

Qualquer que seja a interpretação que venha a vingar, subsistirá sempre um problema que não terá solução conveniente enquanto o número de autarcas remunerados tiver a extensão que tem. Ou se agarram aos lugares como lapa à rocha ou vão tratando de lançar âncora noutros sítios onde lhes devam favores se o tempo de permanência no mesmo sítio se esgotar. Há, claramente, autarcas remunerados a mais que as necessidades de uma boa gestão autárquica. Aliás, esse excesso é causa de muita asneira e de muitos vícios.

Querer evitar eventuais conivências e relações espúrias, rodando os autarcas ou subtraindo-lhes a capacidade de continuar a autarcar, é atirar sobre todos, indiscriminadamente, a suspeita de um labéu que esta legislação, qualquer que seja a interpretação, não extinguirá, e é, para muitos, ultrajante.

Se o dr.Menezes endividou Gaia, e outros cometeram actos incrimináveis e se mantêm impunes nos postos, é porque as leis o consentiram, e são essas leis que devem ser alteradas. Se há uma legião de gente que ganha a vida e a reforma antecipada aos quarenta e tantos anos, a única via para solucionar o imbróglio é reduzir as fileiras dos remunerados.
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* Segundo o Anuário Financeiro dos Municípios, citado aqui, a CM de Gaia tem o segundo maior endividamento entre os municípios portugueses  (263 milhões em 2011) mas "as máquinas não param e (em princípios de 2012) estavam em curso obras no valor de 100 milhões de euros). Na altura, apenas o endvidamento da CM Lisboa excedia a de Gaia. Como, entretanto, o Governo comprou os direitos da Câmara sobre os terrenos do aeroporto da Portela, Gaia deve ter garbosamente assumido a liderança.  

1 comment:

Fenix said...

"...e outros cometeram actos incrimináveis e se mantêm impunes nos postos, é porque as leis o consentiram, e são essas leis que devem ser alteradas."

É esse o cerne da questão. E quem é que PODE alterá-las? os beneficiários?! Sim, porque enquanto legislador está implicitamente a ser beneficiário, no presente ou no futuro; ele ou o familiar,o correligionário, o amigo etc., e por isso vamos sempre embater na verticalidade e honestidade humana. E, segundo alguns bem-pensantes, a política não interessa aos melhores (porque ganham menos) e porque estão sujeitos ao escrutínio e por vezes ao enxovalho público... Então, o que nos resta? os outros?! Se a política é um lodaçal faça-se a limpeza que se impõe! O Povo agradece!